Os "play boys" da Barra e adjacências eram conhecidos como "Os Pintacudas do Farol", em uma alusão ao ás do automobilismo internacional, Carlo Pintacuda.
Nos anos 60, na repressão aos pegas, a policia baiana utilizava ainda Rural Willys e Fusquinhas, que evidentemente tinham desempenho limitado para fazer frente aos carros preparados e velozes dos Pintacudas, porém a partir dos anos 70 a situação começou a mudar com a chegada das velozes Chevrolet Veraneio, (as Chebas) e com a criação do Pelotão Águia da PM, que utilizava velozes motocicletas de grande cilindrada.
Neste contexto entra em cena o então Tenente Siegfried Frazão Keysselt, que era o comandante do Pelotão Águia e também o terror do pessoal dos pegas!
Abaixo veremos o excelente texto escrito por Antonio Carlos Gouveia, onde o mesmo relata a relação de amizade que desenvolveu posteriormente com o já Coronel Siegfried e como o mesmo acabou vindo a participar do grupo dos Pintacudas que até os dias atuais ainda se encontram em animados bate papos automobilísticos...
Ao Tenente Siegfried (in memoriam)
Saudosos Anos 70.
O Farol da Barra (marco histórico de Salvador-Bahia) era o “playground”dos Playboys. Nos reuníamos todas as noites após a sessão de namoro, para um bate-papo sobre temas inesgotáveis. Uma balaustrada que insiste em permanecer ate hoje reavivando nossas agradáveis memórias de um tempo mágico, sem sombra de dúvida o melhor das nossas existências.
Fanáticos por carros - com o tempo fomos intensificando esse gosto até os dias atuais -invariavelmente nos agrupávamos sobre a tal muralha que aliás deu lugar a historias, estórias, lendas e causos que se perpetuam até hoje. Muitos afirmam que viram motociclistas andarem sobre ela, cuja largura não deve ter mais que trinta centímetros. O lado que dá para a praia deve ter algo em torno de oito metros de altura e uma alvenaria de pedras assustador. Uns afirmam que o autor da façanha foi Lolô. Para outros, foi Laurinho. Todos ases das duas rodas. Lendários comentários folclóricos.
A bela avenida que segue do Farol até o Cristo, era palco de desfile de máquinas reluzentes, ícones da indústria nacional, roncando sinfonias pelos canos de descarga, principalmente aos domingos a noite quando um imenso engarrafamento se formava no trecho e ninguém se atrevia a buzinar ou reclamar. Todos contribuíam para aquela bagunça orquestrada. Parar para falar com um amigo e travar o transito, era símbolo de prestigio, de popularidade. Dava status!
Playboy que se prezava cumpria o seguinte ritual. Domingo pela manha, praia de Plakafor; a tarde, lavar o carro com Baé no Dique do Tororó e a noite, desfilar na Barra, carro polido, rodas de magnésio espelhadas com kaol, toca-fitas tocando Berry White, gravado do Studio de AF Barros (saudoso Arthur) ou em Crezo. Por volta da meia-noite, após um pastel e refri no Porão Italia, do simpático Candinho, quando o fluxo do transito ia se findando, restavam no “Muro da Barra” os Pintacudas.
As resenhas eram sempre em torno das melhorias implantadas nas maquinas. Um carburador duplo, uma injeção eletrônica, uma mola da suspensão rebaixada, fustigavam as mentes deles e invariavelmente o assunto resultava num “pega”, um racha para tirar as duvidas. A noite não seria perfeita se não fechasse com chave de ouro.
Corre! Lá vem o Pelotão Águia.
Comandado pelo Tenente Siegfried, era um carreirão bonito, pra ninguém botar defeito. Cada um tomava seu rumo, e entocava sua máquina na garagem. Agora era torcer para que a noticia não chegasse aos ouvidos dos pais. Rapaz, esse Tenente Siegfried não deixa a gente quieto!
A imprensa não deixava por menos. Sentava o cacete! Esse Tenente Siegfried não aliviava. Não havia playboy que não temesse e respeitasse aquele “paladino da ordem pública”.
Passam-se os anos. Formei em Direito. Procurador do Município de Vera Cruz, vou ao Comando Geral da Polia Militar no Quartel dos Aflitos, numa missão que me fora confiada pelo prefeito daquele município. Deveria convidar o Comandante para uma solenidade.
Encaminhado ao gabinete, trajado de terno e gravata, me apresento àquela autoridade e formalizo o convite. Sobre a mesa, uma placa onde se podia ler: "Coronel Siegfried".
Não resisti... Perguntei:
-O Senhor por acaso é o Tenente Siegfried do Pelotão Águia dos anos 70?
Ele parou, me olhou e disse: - E o senhor é o pintacuda Gouveia dos pegas da Barra? Em seguida complementou com um comentário que hei guardar para sempre: - Não pense que eu não lhe pegava porque não conseguia. Na verdade, a minha intenção era fazer com que vocês fossem para suas casas. Acreditava naquela juventude, e hoje você me aparece mostrando que eu tinha razão. Infelizmente hoje, o comportamento dos jovens é bem diferente.
Resumindo o que se passou a partir desse encontro, nos tornamos amigos. Criamos um grupo dos “Playboys da Barra” e passamos a nos encontrar periodicamente. O Coronel Siegfried fez parte do grupo social e sempre foi para nós um motivo de satisfação, orgulho e respeito. Levou seu filho adolescente para conhecer a nossa historia, como forma de incentiva-lo em sua formação moral.
Um homem não deixa de existir enquanto for lembrado.
A.C.Gouveia
20/2/2022
Nota complementar:
No dia 20/2/2022, envolto em boas lembranças, desenhei essas palavras e as dediquei ao meu grande amigo Coronel Siegfried. Era algo que já planejava realizar desde quando ele nos deixou inesperadamente. Escrevi e guardei. Em 25/2, cinco dias depois, recebo a noticia de que havia sido inaugurado o Museu da Policia Militar cujo nome lhe prestava uma justa homenagem. Apesar da minha timidez, passei a encaminhar a alguns amigos comuns a nós e ao saudoso amigo. Minha singela homenagem!
oldraces.blogspot.com
Fotografia e texto original de Antonio Carlos Gouveia
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