Meu primeiro carrinho de bebê
Tem momentos na vida em que buscamos reviver
boas lembranças do nosso passado.
Participo de um grupo de antigo mobilistas
(maníacos por carros antigos) em que é comum termos lapsos de memória ligados a
experiências com os carros dos pais e avós.
- “Tenho esse Ford Bigode porque meu avô nos levava para comprar
quebraqueixo e pé-de-moleque aos domingos num igualzinho quando eu tinha sete
anos no interior de xorroxó!!!”- diz um deles.
- “lembro quando nos mudamos para a capital e nosso tio fez nossa mudança
numa Studebaker igual a essa que comprei para restaurar a cinco anos atrás e
ainda não acabei a reforma”- conta o outro.
Quer ver problema é quando o sujeito chega em
casa num Simca Chambord 1960 e a esposa dispara:
- O que é isso? Posso saber?
- Vai sujar o piso da nossa garagem de óleo com essa
tranqueira cheia de vazamentos!
- Estou querendo reformar minha cozinha e você gasta
dinheiro com esse ferro-velho inútil!
A única saída nessa hora é
encontrar um bom argumento tipo:
-
Meu compadre
me devia dinheiro e a forma que achei de recuperar a grana foi aceitando esse
carro como pagamento. Vale muito mais do que ele me devia. Ou ainda...
-
Meu colega de
repartição foi transferido para outra filial e teve que vender esse carro com
urgência. Comprei por apenas $ #*&,@@ , uma verdadeira bagatela.
Oportunidade não se deve desperdiçar!
Ficaria milionário se conseguisse
comprar os carros antigos pelo valor que eles dizem que pagaram, quando as
esposas os questionam!
O que mais me impressiona é a
capacidade de recobrar memórias longínquas para justificar a aquisição de suas
máquinas do tempo.
-
Tenho essa Vemaguete azul calcinha com
teto bege igualzinha a que meu padrinho tinha quando me levou para a minha
primeira comunhão. Lembro como se fosse hoje!
Mea-culpa.
Não fujo a regra.
Lembro perfeitamente o meu
primeiro carrinho de bebê.
Não me deixavam “pilotar” sozinho.
Alegavam que eu era muito jovem ainda.
Desde então, segui com a ideia
fixa de que um dia teria o meu e então daria “cavalo-de-pau” em frente ao
coreto da pracinha pra impressionar as bebezinhas com suas mamadeiras recheadas
de Nanon.
O tempo passou.
Amadureci.
Carrinho de bebê era para os
fracos!
Aos cinco anos, já não me
satisfazia puxar uma ambulância da Trol amarrada a um barbante.
Coisa de menino amarelo!
Pilotei o meu primeiro off-road. O
inesquecível jipinho de lata, movido a pedal.
Muito econômico!
Hoje entendo porque sou
incondicionalmente Jipeiro.
Minha perícia, minhas habilidades
foram notadas pelos familiares e em pouco tempo meu tio me levou para sua
fazenda e caí no campo a trabalhar.
Aos nove anos, campeão por duas
vezes em esportes radicais, tirei as rodinhas da minha Monark Jubileu de Ouro.
Foi quando entendi porque meus amiguinhos tinham pavor de Merthiolate.
Tudo bem, sei que passei noventa
dias com o braço engessado aos doze anos mas foi um pequeno vacilo que dei na
patinete ao cair no buraco da calçada lá da rua. Aquela boca-de-lobo aberta era
velha conhecida. Já havia capotado ali com meu carrinho de rolimã, mas foi só
um galo na testa e mamãe colocou uma faca em cima, para não aumentar muito de
tamanho.
Quando aos dezesseis anos, evolui da Berlineta
Caloy Dobravelzinha para a Maxi-Push, passei a ser o ban-ban-ban entre os
colegas de ginásio. Cada dia após a ultima aula era um tal de levar as
normalistas na garupa para tomar sorvete na praça do coreto.
Seu Januario era um excelente mecânico e já
cuidava dos carros de papai há tempos.
Devido a consideração que dispensava a minha
família, aceitou me vender seu fusquinha, nas condições de pagamento que minha
mesada suportava. Mas tive que esperar até setembro quando fiz dezoito anos.
Ele não queria rolo com papai.
O motor 1200cc não aguentava subir a ladeira do
quebra-bunda, perto lá de casa, comigo, meu primo Claudio e três colegas do
cursinho pré-vestibular.
Hoje, me questiono quando vejo em minha garagem
meia dúzia de três ou quatro relíquias aguardando “pequenos reparos”.
Por que será que adquiri esses hábitos?
Depois de muita reflexão cheguei a seguinte conclusão:
Ernestina, minha babá, namorada do Seu Januário
(mecânico), costumava passear comigo nos braços a tardinha pelas bandas da
oficina, e nessas investidas deixou cair raspa de ferrugem na minha mamadeira.
Ferrugem no sangue não tem cura!!!!!!!!!
ACGouveia
05/03/2022
2 comentários:
Uma leitura muito bacana. Me envolvi um pouco na parte em que pensamos como justificar para a esposa a aquisição de uma relíquia. Olha, é uma situação difícil "kkk". Abraços.
Realmente muito boa mesmo, AC Gouveia escreve bem, de maneira clara e simples, parabéns para ele..!!
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