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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Uma "estória" mal contada

 


Noticias equivocadas, mal elaboradas e cheias de erros, informações falsas e/ou preconceituosas contra o automobilismo da Bahia e de todo o Nordeste, era uma constante na internet de uma década atrás, porém hoje em dia esta situação vem mudando, em parte graças a algumas páginas e grupos de automobilismo, que pesquisam com seriedade o assunto e também graças ao trabalho incansável do Blog Old Races, que desde 2013 vem trazendo a público a verdadeira história do nosso automobilismo dos anos 50, 60 e 70

Abaixo está uma notícia de 2007, cuja autoria desconhecemos,  sobre o GP de Fortaleza de 1969, com vários equívocos e informações erradas sobre o automobilismo do Nordeste. Os grifos em amarelo nas principais distorções são nossos...

O automobilismo brasileiro estava em crise em 1969. Interlagos estava fechado, e assim, a “Meca” do automobilismo brazuca, que era São Paulo, ficara sem um local onde realizar suas corridas. O efeito disso foi sentido no automobilismo de um modo geral, em 1968 e 1969. As corridas eram poucas, e o fechamento de Interlagos sem dúvida foi um dos fatores que causou a morte da Fórmula Vê, embora os cariocas tenham feito de tudo para manter a categoria viva.

Com Interlagos fechado, o autódromo do Rio ganhou a posição de mais importante autódromo do Brasil, onde ocorreram algumas das mais importantes provas do biênio 68/69. Curiosamente, realizaram-se corridas em alguns locais inusitados, como Salvador e Campinas, ao passo que outros locais tradicionais, como Petrópolis e Piracicaba, sem contar as provas de estrada do Rio Grande do Sul, fechavam as portas para sempre.

O nordeste nunca foi um local pujante no automobilismo. Entretanto, esporadicamente realizavam-se corridas em diversas cidades. As equipes de fábrica estiveram presentes em diversas corridas realizadas em Recife em meados dos anos 60. Salvador, Natal, Maceió e Fortaleza realizaram provas, geralmente disputadas por pilotos regionais. Estas freqüentemente contavam com menos de 10 carros, algumas com meia dúzia ou menos. Não interessava: o ponto era correr. E alguns ídolos locais surgiram, como Lulu Geladeira, Arialdo Pinto, Armando Barbosa, Neném Pimentel.

O que faltava no nordeste era um autódromo, e foi exatamente isso que o governo estadual do Ceará resolvera construir. A pista ficou pronta em 1968, e foi batizada de Autódromo Virgilio Távora. A corrida de inauguração, realizada em 12/1/1969, só contou com pilotos regionais, e foi ganha por Lulu Geladeira, com um Puma VW.

Marcar corridas em lugares longínquos nunca foi uma estratégia que deu muito certo nos calendários brasileiros. Grande prova disso foi o calendário do primeiro Campeonato Brasileiro de Fórmula Vê, que contava com provas em Blumenau, Brasília, Porto Alegrem, Belo Horizonte, nenhuma das quais foi realizada. A Federação Paulista freqüentemente “reservava” datas para cidades como Bauru, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, que nunca realizavam provas. Ou seja, marcar uma prova do campeonato brasileiro para o Virgilio Távora, nos idos de 1969, era um ato de otimismo.

O automobilismo dessa época às vezes demonstrava um grande potencial que acabava não sendo realizado, por uma série de fatores. Coisas que deixavam uma esperança de que o esporte se desenvolveria no país. O entusiasmo pelas Mil Milhas, a temporada de 1965, a vitória de Bird Clemente no Uruguai. Uma dessas coisas foi o GP do Ceará de 1969.

Os campeonatos brasileiros, durante muito tempo, não passavam de campeonatos paulistas. Gaúchos raramente viajavam para correr em Interlagos, havia poucos cariocas, e mineiros, e os paranaenses e catarinenses também eram insulares. Os nordestinos ficavam no nordeste, e os brasiliense e goianos no Planalto Central. Ou seja, o que poderia se esperar de uma corrida de campeonato brasileiro em Fortaleza, em pleno 1969?

Está certo que os prêmios não seriam baixos. O GP pagaria NCR$10.000,00 para os vencedores, NCR$5.000,00 para os segundos colocados, e $3,000.00 para os terceiros. Isso sem contar com NCR$1.000,00 em prêmio de largada dos carros que viessem do Sul (os procedentes do próprio Nordeste ganhariam menos) Colocando em perspectiva, o preço de tabela de um fusca era NCR$11.000,00, e o Opala mais barato custava NCR$16.763,00. A revista QR custava NCR$3,00, uma suculenta lagosta ao termidor num restaurante do Recife, NCR$9,00. As diárias no hotel mais caro do Recife começavam em NCR$40.00. Em suma: era uma boa grana. A Federação Cearense obteve os recursos junto aos governos de outros estados, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.

Assim que, pilotos de diversas áreas do país decidiram que valia a pena a viagem para o Nordeste. Pilotos de diferentes áreas se cotizaram e alugaram carretas, e acabaram participando equipes de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Aracaju, Fortaleza e até do longínquo Rio Grande do Sul, a 4147 km de distância.

O nordeste, acostumado com corridas de meia dúzia de carros, geralmente humildes fuscas, DKWs e Gordinis, de repente era invadido por verdadeiros bólidos para a época: uma Lola T70, do mesmo tipo que ganhara Sebring no começo do ano; a famosa equipe Jolly com suas Alfa GTA; o protótipo Bino Mark I, na mão de pilotos cariocas; o lendário Chico Landi, com um protótipo baseado em uma ex-Maserati esporte, que pertencera a Fangio; um AC, de Olavo Pires; o protótipo Patinho Feio, de Brasília, que surpreendia carros bem mais potentes, além do melhor que o Nordeste tinha a oferecer, inclusive o Puma de Lulu Geladeira e o Karmann Ghia de Neném Pimentel. Ao todo, 22 carros.

Entre os pilotos, muitas feras: Marivaldo Fernandes, Emilio Zambello, Alex Ribeiro, Chico Landi, Ubaldo Lolli, Chiquinho Lameirão (correndo para uma escuderia local), Antonio Carlos Avallone, Milton Amaral, Rafaelle Rosito, Carlos Erymá, Mario Olivetti.

Para muitos a viagem foi difícil. A própria equipe Jolly, que acabaria vencendo a prova, só decidira que participaria do evento na quarta-feira, e teve que literalmente correr muito para chegar em Fortaleza a tempo. Luis Fernando Terra Smith, que compartilhou a Alfa 25, também foi co-piloto do caminhão Ford F600, durante a bagatela de quinze horas seguidas!!!

Nos treinos a Lola não fez feio, e marcou a pole position. Os bem intencionados irmãos De Paoli tinham pouca experiência para domar o monstro de 400 HP e concepção moderna. Muitas vezes, marcavam voltas mais rápidas ou a pole-position, como nessa corrida, mas nas corridas deixavam a desejar. Quem sabe, teria sido melhor passar mais algum tempo obtendo experiência com carros menos potentes. Mais tarde, com o Avallone-Chrysler, a história foi mais ou menos igual.

Mas a Lola sairia na frente, seguida de Ubaldo César Lolli, com uma das Alfa GTA, a de 1900 cc, só um segundo atrás da Lola. Em terceiro, largariam Marivaldo/Terra Smith, seguidos de Fernando Pereira/Carlos Eryma, com o Bino, Chico Landi/A.C.Avallone, com a Maserati disfarçada, José Morais/Milton Amaral, com um protótipo VW, Rafaele Rosito/Silvio Toledo Pisa, com Protótipo VW, Lulu Geladeira/André Buriti, com Puma, Fernando Ari/Chico Lameirão, com VW, Alex Ribeiro/João Luis da Fonseca, com o Patinho Feio, o KG de Neném Pimentel/Samuel Cohen, e o resto. Muitos carros marcaram tempos entre 1m20 e 1m23, prometendo pelo menos bastante briga no pelotão intermediário.

Na prova, De Paoli devia estar pensando em lagostas e praias, e não viu a bandeirada, perdendo para as duas Alfas de Ubaldo e Marivaldo. De Paoli ainda chegou a passar Marivaldo, mas logo abandonou, preocupado com um ponteiro acusando alta temperatura. Desistiu, para não ter um grande prejuízo com o motorzão Chevrolet fundido. Mas depois constatou-se que o marcador estava com defeito, e poderia ter continuado na prova. Ubaldo forçou demais a sua GTA, e acabou abandonando, deixando o caminho livre para a dupla Marivaldo/Terra Smith. Alguns dos outros carros fortes também ficaram pelo caminho, como o protótipo de Landi e o Bino Mark I, e em segundo chegaram Silvio Toledo Pisa, de São Paulo, fazendo dupla com o gaúcho Rafaelle Rosito. Em terceiro, o Patinho Feio de Brasília surpreendeu mais uma vez, com Alex Dias Ribeiro.

Entre os pilotos da “terra” (?) os mais bem sucedidos foram os baianos Brussel/Bastos, que chegaram em quinto com um Puma, seguidos de uma dupla do Ceará, Carlos Fernando/Arialdo Pinho, com um elegante protótipo VW made in Ceará. Nenem Pimentel e o seu KG não chegara até o final.   ..........

                                                            __________________

Considerações gerais sobre a matéria em questão:

1- O automobilismo brasileiro em 1969 não estava em crise, ao contrario, foi um dos anos mais importantes do esporte no Brasil.

2- A ausência de Interlagos que estava em reformas (68/69), em nada prejudicou o automobilismo, ao contrário ajudou a fortalecer o automobilismo de outros estados.

3- Afirmar que " foram realizadas corridas em locais INUSITADOS, como Salvador", é no minimo uma demonstração de total desconhecimento da história do automobilismo brasileiro, visto que a cidade do Salvador já promovia corridas oficiais importantes, até com participação de pilotos estrangeiros, desde o ano de 1952. Vale lembrar que em Salvador nos anos de 68 e 69, foram realizadas provas de 500 Km válidas pelo campeonato, com a participação de pilotos de vários estados brasileiros.

4- Afirmar que o Nordeste nunca foi pujante no automobilismo, "que realizavam corridas esporádicas a maioria com menos de 10 carros, às vezes meia dúzia"..., é mais um monte de absurdos onde o autor desconhece mais uma vez a verdadeira história de uma região que tinha até seu próprio campeonato e onde 3 estados, Pernambuco, Ceará e Bahia sobressaiam-se no cenário nacional, até com industria própria de protótipos de corrida.

5- A afirmação mais absurda porém, que chega a ser até hilária, é chamar a dupla baiana José Luis Bastos/John Brusell de pilotos da terra..."Entre os pilotos da “terra” (?) os mais bem sucedidos foram os baianos Brussel/Bastos, que chegaram em quinto..".

Nos dias atuais já virou uma coisa corriqueira nos órgãos da imprensa quando se dirigirem aos estados da região Nordeste, agem como se fossem uma coisa só, um só povo e uma só cultura...,"NORDESTINOS"!  Nada contra os demais estados do Nordeste, ao contrário, todos são maravilhosos, com seus costumes próprios e a sua cultura e identidade, Ceará é cearense, Pernambuco é pernambucano, Sergipe é sergipano, Alagoas é alagoano e por aí vai..!!

Nós aqui na Bahia somos Baianos..!!!


Mauricio C. Lima


Fotografia compartilhada da internet, sem indicação de direitos autorais.

oldraces.blogspot.com

7 comentários:

Carlos Alberto Medrado disse...

Você está certíssimo. Os cariocas, principalmente, e alguns paulista sempre depreciaram o nordeste e a Bahia. Nós fazemos parte do nordeste político, como também, Minas Gerais, mas na verdade somos o leste geográfico deste país chamado de Brasil.

Old Races disse...

Grande piloto, obrigado pelo comentário.
Forte abraço!

Jerson disse...

Muito bom 👏🏻👏🏻👏🏻

Old Races disse...

Obrigado pelo comentário Jerson.

Anônimo disse...

Ótimas observações Mauricio

Anônimo disse...

Quem questiona uma matéria dessa é gente que não sabe a verdadeira história do automobilismo brasileiro. Maurício cada nova leitura das suas escritas aumentam a minha verdadeira admiração por você. Irmão escreva muito por muitos anos
Gratidão

Old Races disse...

Obrigado pelo comentário 👍🙏

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